Na semana passada teve lugar em San Sebastián uma nova reunião entre a Conferência das Autoridades Cinematográficas Ibero-americanas (CAACI) e a Associação dos Diretores de Agências de Cinema Europeias (EFADs). A sua Declaração Conjunta salienta a necessidade de promover e preservar a diversidade cinematográfica e a exploração territorial dos direitos enfrentando os desafios digitais, bem como a importância do fortalecimento da cooperação entre ambos os continentes.
Segue mais abaixo o texto completo:
Declaração conjunta CAACI- EFADs
A Assembleia da Conferência das Autoridades Cinematográficas Ibero-americanas (CAACI) e a Associação dos Diretores de Agências de Cinema Europeias (EFADs) manifestam uma visão comum sobre a importância da cinematografia como forma de expressão da cultura e dos valores fundamentais, bem como sobre a defesa e promoção das suas indústrias audiovisuais. Ambas as organizações partilham uma mesma ambição pelas suas indústrias audiovisuais e reconhecem a importância do fortalecimento da cooperação entre ambos os continentes.
A CAACI e a EFADs declaram:
- A vontade de ambas as organizações de continuarem com a cooperação, a troca de informação e o diálogo para promover a diversidade cultural e a adaptação das indústrias audiovisuais às mudanças digitais.
- A sua ambição de promover e fortalecer as co-produções entre ambos os continentes e otimizar a circulação das obras audiovisuais que propicie um maior desenvolvimento cultural e económico na Europa e América Latina.
- Dão as boas-vindas aos primeiros resultados do prémio EFADs CAACI de apoio conjunto ao desenvolvimento de filmes, e irão continuar a explorar iniciativas concretas para facilitar a cooperação artística e a circulação internacional destes trabalhos.
- A necessidade de atingir a igualdade de condições para todos os operadores e promover a presença, disponibilidade e visibilidade de conteúdos audiovisuais diversos e independentes nos novos modelos de distribuição no âmbito digital. Os mercados audiovisuais na Europa e América Latina lidam com desafios similares na era digital, nomeadamente a integração dos novos agentes em linha cadeia de valor dos filmes e garantir que os cidadãos têm acesso a uma oferta em linha diversa e visível. O direito das audiências a terem uma comunicação audiovisual inclusiva da diversidade cultural e linguística deve ser preservado e favorecido.
- A sua profunda preocupação com a normativa em negociação a nível comunitário no âmbito do Mercado Único Digital, naqueles aspectos em que a exploração das obras território a território poderia ser colocada em risco. Estas propostas ameaçam o modelo de financiamento dos filmes e colocam em risco a produção, co-produção e distribuição de obras europeias e latino-americanas. A intervenção pública deve promover a diversidade cultural e apoiar a produção e exibição de obras que reflitam a diversidade linguística e criativa das nossas regiões.
- A importância de reforçar a dimensão externa do subprograma MEDIA da Europa Criativa. A CAACI e a EFADs apoiam os atuais esquemas e iniciativas da Europa Criativa MEDIA que beneficiam a cooperação entre a Europa e a América Latina como Acesso a mercados, Formação internacional e Fundos de Co-produção. No entanto, lamentam que o fim do MEDIA Mundus em 2013 tenha deixado lacunas no apoio para a circulação e distribuição de obras entre ambos os continentes. A EFADs e a CAACI incentivam a Comissão Europeia a relançar o MEDIA Mundus ou um esquema semelhante, no quadro da revisão intermédia do Programa Europa Criativa.
- A necessidade de dar passos que permitam garantir o acesso e circulação na América Latina de conteúdos de qualidade próprios e europeus, bem como incentivar o desenvolvimento de plataformas digitais nas quais participem entidades públicas do cinema e do audiovisual.
- Com este fim, a manutenção da capacidade de regular o sector audiovisual atualmente e no futuro é de importância capital, nomeadamente nas negociações comerciais. A CAACI e a EFADs dão as boas-vindas à adoção em junho dos novos guias operacionais para a aplicação da Convenção da UNESCO de 2005 para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais no meio digital. Estes guias são chamados a ser uma ferramenta de utilidade.
O dinamismo da cooperação entre a Europa e a América Latina.
A Europa e a América Latina têm uma estreita relação cultural e linguística que impulsionou uma cooperação e colaboração no âmbito audiovisual nos dois continentes. Cada ano existem, em média, cerca de 40-50 co-produções. Algumas delas recebem financiamento de vários fundos europeus e latino-americanos, e existem 27 convenções de co-produção entre países da União Europeia e da América Latina, reflexo da sua projeção internacional.
Em abril de 2016, a CAACI e a EFADs iniciaram em Toulouse um diálogo estruturado. Ambas as organizações acordaram reunir duas vezes por ano e trabalhar para conseguir soluções comuns para incentivar a cooperação no sector audiovisual, promover a diversidade cultural e potenciar a circulação e a distribuição de trabalhos entre a Europa e a América Latina. Em setembro de 2016 a EFADs e a CAACI outorgaram o prémio conjunto a uma co-produção entre a Europa e a América Latina pela primeira vez, uma iniciativa concreta para apoiar a colaboração entre criadores de ambas as regiões.
Igualdade de condições para todos os operadores.
Ocasionalmente o serviço de conteúdos digitais é disponibilizado a audiências de países europeus e latino-americanos, mas situam-se em diferentes países onde são submetidos a esquemas regulatórios menos exigentes que os aplicáveis a operadores nacionais, o que representa um tratamento injusto a prestadores nacionais ou estrangeiros sujeitos às regulamentações nacionais e acarreta igualmente uma diminuição da concorrência justa entre os agentes económicos.
A intervenção pública é essencial para garantir a igualdade de condições no mercado digital para todos os operadores privados e públicos (produtores, distribuidores, organismos de TV e fornecedores de Video on Demand-VoD) que garanta que qualquer operador tenha as mesmas possibilidades de operar com sucesso nos nossos mercados, sem que seja aplicado qualquer tipo de discriminação. Esta igualdade de condições implica o compromisso de todos os operadores que atuam no mercado da criação, promoção e distribuição de conteúdos associados à nossa diversidade cultural, e o respeito pelas regras nacionais e os valores comuns relativamente à defesa dos menores e do consumidor.
Uma oferta em linha diversa e visível de obras europeias e latino-americanas.
Na Europa e na América Latina, os grandes canais de distribuição ainda não desenvolveram todo o seu potencial como investidores em conteúdo independente europeu e latino-americano, favorecendo no seu lugar os blockbusters norte-americanos. Também não parece que vão estar necessariamente interessados em financiar este conteúdo no futuro.
O principal desafio é garantir um compromisso económico forte e mais equilibrado da parte de todos os envolvidos na cadeia de valor. Sem o apoio à diversidade cultural da parte dos novos operadores digitais, e sem zelar pela igualdade de condições para os diferentes agentes que operam no mercado, a produção de obras europeias e latino-americanas irá ser mais difícil, a oferta irá ser menos heterogénea e as audiências ficarão prejudicadas, ao terem menor acesso a obras que transmitam a nossa diversidade cultural e linguística.
Partindo da responsabilidade editorial dos prestadores de serviços de VoD quanto à seleção, organização e exposição dos conteúdos nos seus catálogos, é importante promover a presença e disponibilidade em condições justas de conteúdos audiovisuais diversos e independentes na organização dos serviços de VoD, através da incorporação de conteúdos variados nos catálogos dos prestadores de serviço, da promoção do direito à diversidade cultural e linguística, do contributo dos fornecedores de VoD para a produção de obras diversas.
Um quadro legislativo que salvaguarde a territorialidade e promova as co-produções entre a Europa e a América Latina.
No âmbito comunitário, a CAACI e a EFADs acompanham com a máxima atenção as propostas normativas atualmente em negociação no âmbito da Estratégia para a concretização do Mercado Único Digital. Apesar de um dos seus objetivos manifestos ser melhorar a circulação e acesso às obras audiovisuais na Europa, algumas destas propostas, em materializando-se, podem afetar a liberdade contratual dos criadores e a exploração territorial dos seus direitos, aspectos essenciais para a necessária amortização dos investimentos das empresas envolvidas.
Estas iniciativas incluem o novo Regulamento de retransmissões em linha dos organismos de radiodifusão [1], que aplica o princípio de país de origem a determinados serviços audiovisuais em linha (Simulcast, Catch-up e vista prévia). O impacte desta proposta de Regulamento pode ser agravado pelo efeito combinado com a investigação lançada pela Direção-Geral da Concorrência da Comissão sobre o acesso transfronteiriço a conteúdo de TV pago (AT.40023), que pode abrir um perigoso precedente e prejudicar as estratégias de financiamento do sector cinematográfico independente europeu. Por outro lado, a possível inclusão dos serviços audiovisuais numa cláusula de revisão do novo Regulamento sobre geo-bloqueio [2], embora não seja de aplicação imediata, é também altamente preocupante.
A CAACI e a EFADs consideram que o efeito combinado destas medidas coloca em risco o futuro da exploração de licenças territoriais, fundamental para a sobrevivência do mercado audiovisual no nosso território, e debilita os produtores, agentes de venda e distribuidores locais na defesa dos seus interesses perante os grandes operadores, que têm possibilidade de adquirir licenças pan-europeias. Adicionalmente, o impacte sobre as co-produções entre a Europa e a América Latina pode ser severo, pois o investimento nestas co-produções não será tão apelativo, ao não poder garantir-se a sua exploração exclusiva em território europeu e diminuindo assim o valor associado aos direitos que sustentam em grande medida a viabilidade destes projetos.
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A Conferência das Autoridades Audiovisuais e Cinematográficas Ibero-americanas (CAACI) é um organismo internacional do âmbito regional ibero-americano que procura contribuir para o desenvolvimento da cinematografia dentro do espaço audiovisual dos países ibero-americanos, conforme os princípios de cooperação e complementação, através de uma participação equitativa na atividade cinematográfica regional baseada na integração. Foi criada a 11 de novembro de 1989 mediante a assinatura da Convenção de Integração Cinematográfica Ibero-americana e no seu seio participam as máximas autoridades audiovisuais e cinematográficas de vinte e um (21) países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Espanha, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
A EFADs reúne os Diretores das Agências de Cinema Europeias em 31 países da Europa (UE, Islândia, Noruega e Suíça). Representa organismos públicos governamentais ou associados responsáveis pelos apoios nacionais ao sector audiovisual e pelo aconselhamento para a regulamentação de todos os aspectos da política audiovisual. Através de subsídios e isenções fiscais, os membros do EFADs e os seus Governos financiam com cerca de três mil milhões de euros anuais a criação, produção, promoção, distribuição e exibição de obras audiovisuais e cinematográficas europeias. O propósito final da EFADs e dos seus membros é promover e preservar a diversidade cultural na Europa e atuar em prol do interesse público.
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Notas:
[1] Comissão Europeia. 14 setembro 2016. “Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de rádio e televisão”. 2016/0284 (COD)
[2] Comissão Europeia. 25 maio 2016. “Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre medidas contra o bloqueio geográfico e outras formas de discriminação com base na nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento dos clientes no mercado interno”. 2016/0152 (COD)